sexta-feira, 3 de julho de 2015

A VIDA NÃO É UM JOGO DE XADREZ


 Uma reflexão sobre o perigo da manipulação psicológica, do abuso cometido pelo assédio moral e psicológico e como se libertar desse mal

Robson T. Fernandes

Confesso que não sei nada sobre o xadrez a não ser que xeque-mate é a jogada final da partida. Mas, sempre ouvi dizer que este é um excelente jogo de estratégia e raciocínio. Daí, lembrei de uma frase de Isaac Asimov: “Na vida, ao contrário do xadrez, o jogo continua após o xeque-mate”. Isso é verdade, porém, parece que a vida às vezes imita o jogo em sua estratégia, especialmente quando lidamos com jogadores. Mas, aqueles que agem na vida como se esta fosse um jogo de xadrez podem cometer o erro de achar que têm o direito de dar xeques-mate nas pessoas como se a vida para estas fosse acabar. Esses jogadores pensam que a vida acabará para quem sofre o xeque-mate. Esse xeque-mate nada mais é que uma chantagem emocional ou financeira. Na verdade, estes jogadores esquecem que a vida continua e que o mundo dá voltas.

Nesse sentido, o jogador da vida é uma pessoa que manipula situações e circunstâncias para que a “jogada” saia da maneira desejada. Estes jogadores da vida são na verdade manipuladores e os manipuladores criam um problema para depois vender a sua própria solução.

Infelizmente esta tem sido uma realidade não apenas no convívio familiar, quando tais manipulações são facilmente observadas, mas também no mundo da religião. Muitos líderes religiosos têm utilizado o seu poder de influência para manipular membros de seus grupos, como se estes fossem peças de xadrez em seu tabuleiro particular. Isso é facilmente percebido, por exemplo, nos testes de fidelidade que o Corpo Governante da Sociedade Torre de Vigia exige, a exemplo da proibição da doação e recebimento de sangue. Outro exemplo, historicamente citado, é o caso da seita Templo dos Povos, de Jim Jones, que produziu um suicídio em massa da comunidade de Jonestown na Guiana, em 18 de novembro de 1978. Outro exemplo de manipulação de pessoas, como se estas fossem peças de xadrez, é visto no exemplo do nazismo de Adolf Hitler. Porém, apesar desses serem casos extremos, existem outros que dizem respeito àquilo que é visto hoje em larga escala entre alguns que se dizem evangélicos, infelizmente.

Garry Kasparov, o maior enxadrista do mundo, em seu livro, Xeque-Mate (How Life Imitates Chess), revela a importância política que as estratégias do jogo de xadrez exerceram durante os anos da Guerra Fria[1]. Kasparov mostra a maneira de se aplicar algumas dessas estratégias à vida e à carreira profissional. Contudo, o hábito de tratar a vida como um joguinho, sempre utilizando estratégias de manipulação para que as coisas saiam sempre do seu jeito são, na verdade, uma patologia psicológica. Tais pessoas têm, na melhor das hipóteses, um distúrbio que necessita de tratamento.

A “Manipulação psicológica pode ser definida como o exercício de influência indevida através da distorção mental e exploração emocional, com a intenção de tomar o poder, controle, benefícios e privilégios às custas da vítima”[2]. Esta manipulação psicológica consiste em uma pessoa ser usada para o benefício de outra, através da criação de um poder desequilibrado e da exploração da vítima para que esta satisfaça a vontade do manipulador. Para piorar ainda mais a situação, o manipulador tem certa facilidade em exercer esse tipo de influência, especialmente porque: 1) sabe como detectar os pontos fracos de suas vítimas; 2) sabe como usar essas fraquezas contra as vítimas para escravizá-las; 3) sabe como convencer suas vítimas a desistirem de seus próprios objetivos para servir ao seu interesse pessoal; 4) sabe como repetir o processo de exploração, uso e abuso de suas vítimas, e faze isso até que a vítima não tenha mais nenhuma serventia aos seus interesses, quando então serão descartadas.

Os manipuladores agem de forma sutil e vão, aos poucos, criando um edifício de obrigações que faz com que a vítima se sinta, depois de um tempo, presa à elas. Então, “esse muro acaba fazendo com que você se sinta pressionado e obrigado a continuar agindo dessa maneira por elas, mesmo que no fundo você fique se perguntando como a coisa chegou a esse ponto”[3].

Para facilitar a identificação de manipulações, apresentaremos algumas características que podem prender alguém emocionalmente a um manipulador:

Cuidado com favores. Alguém pode fazer um “favor”, mesmo que não tenha sido pedido, mas que torna o favorecido num devedor. Este “favor” prende a vítima, fazendo com que ela dê algo em troca, e caso não corresponda “devidamente” aos interesses do manipulador, a verdadeira vítima passa a ser vista como vilã ingrata, ao passo que o manipulador será transformado em vítima.

Lembre-se do que diz a Sagrada Escritura: “A ninguém fiqueis devendo coisa alguma, exceto o amor” (Rm 13:8)

Cuidado com o peso da culpa. O peso da culpa pode ser mais devastador que o próprio problema em si. O manipulador é mestre em fazer com que a vítima se sinta culpada, para que assim ele consiga dominá-la, levando-a a fazer aquilo que é de seu interesse.

Lembre-se do que diz a Sagrada Escritura: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar todos os pecados e nos purificar de qualquer injustiça” (1Jo 1:9)

Cuidado com os manipuladores Pitbull. O manipulador Pitbll produz constantemente um ambiente de conflito, desentendimento, desavença e briga. Dessa forma, ele deseja que no conflito você faça ou diga algo para que venha a se arrepender depois. Com isso aprisionará a vítima ao sentimento de culpa, como já foi visto no item anterior.

Lembre-se do que diz a Sagrada Escritura: “Toda amargura, cólera, ira, gritaria e blasfêmia sejam eliminadas do meio de vós, bem como toda a maldade” (Ef 4:31)

O manipulador sempre tentará lhe colocar “no canto da parede” para que você não faça nada sem antes consultá-lo, pois ele se sente, patologicamente, responsável por você. Mas lembre-se que se você já nasceu de novo é servo de Cristo e não de homens (Gl 1:10). O manipulador utiliza uma linguagem própria, o manipulês (rsrs), e na sua língua de manipulação sempre estará presente a frase: “Nunca faça nada sem antes me consultar!”. Isso ocorre porque, intencional ou não, o manipulador deseja fazer o papel do Espírito Santo em sua vida, pois ele se vê como soberano.

A intenção do manipulador é fazer com que a vítima faça aquilo que é bom e agradável para ele, aquilo que se encaixa em sua agenda pessoal, e para isso não hesitará em usar convenientemente os seus “objetos de consumo”, que são as suas vítimas. O manipulador dificilmente faz perguntas. Ao invés disso, ele normalmente faz afirmações de acusação ou de imposição, pois têm sérios problemas em pensar que podem estar perdendo controle. Com tudo isso, a vítima da manipulação também se torna vítima daquilo que é conhecido como assédio moral. Então, para evitar manipulações, fale de forma clara e em bom tom o que você pensa e valorize a sua própria opinião pessoal para que ele veja que as insinuações e chantagens não funcionarão.

Essa manipulação, que se torna em assédio moral e psicológico, é destruidora para a vítima, e mais ainda quando conta com o peso da influência que a religião proporciona. O assédio moral e psicológico ocorre em geral no ambiente de trabalho, e tem se tornado cada vez mais comum no ambiente religioso, especialmente com o crescimento desenfreado e desequilibrado de muitas igrejas evangélicas que contam com a falta de uma estrutura bíblica e não dispõem e nem exigem um processo rigoroso de formação de pastores. Tais ações talvez não impedissem a existência de manipuladores e de assédio moral na igreja, mas certamente funcionariam como um freio para este mal. Mas, esse não é um fenômeno particular do evangelicalismo moderno, e sim de tantas outras religiões, como já foi mostrado rapidamente no início desse texto. E, também, foi bastante comum na Idade Média, por exemplo, sob a bandeira do Catolicismo Romano.

Talvez alguém questione a importância da religião diante do que foi apresentado. Essa seria uma perspectiva errada e desequilibrada de se ver a questão, pois exemplos piores de abusos morais e psicológicos, e muito mais físicos, são facilmente observados em regimes que possuem o ateísmo como alicerce. Basta ver os países em que o socialismo é adotado, por exemplo. Então, o problema por si só não está na presença ou na ausência da religião, mas na presença de pessoas doentes que estão infiltradas tanto em uma quanto na outra. Com isso, defendemos que, no que diz respeito a Igreja, o problema está especialmente no fato das pessoas serem manipuladoras porque exercem a sua “autoridade” de foram não bíblica, e as vítimas se tornam vítimas porque se submentem a esse tipo de pessoa exatamente porque não estão praticando aquilo que a Sagrada Escritura determina. E quanto a realidade fora da Igreja? Os motivos são os mesmos: falta da Sagrada Escritura e temor a Deus. Só que nesses casos as proporções são muito maiores.

Esse assédio na igreja se caracteriza pelo superior hierárquico torturar psicologicamente o subordinado ou em permitir que alguém o faça. Esse assédio é considerado como psicológico quando tal comportamento é repetitivo, produzindo abuso de autoridade, exigência que vá além do limite de autoridade, ofensa pessoal ou “profissional”, insulto ou malícia, de maneira que a vítima passe a se sentir afetada emocionalmente, preocupada, ameaçada, humilhada, rebaixada ou vulnerável. Esse tipo de manipulação e assédio minam o ser humano por dentro, destruindo sua autoconfiança, autoestima, e levando-a até um estado de stress.

A definição que o Dr. Marcelo Di Rezende Bernardes apresenta sobre o assédio moral no trabalho pode perfeitamente ser aplicada ao ambiente de algumas igrejas:

Inúmeros são os exemplos de casos de assédio moral no trabalho, tais como: ameaça constante de demissão, preconceito contra trabalhadores doentes ou acidentados, constrangimento e humilhação públicas, autoritarismo e intolerância de gerências e chefias, imposição de jornadas extras de trabalho, espionagem e vigilância de trabalhadores, desmoralização e menosprezo de trabalhadores, assédio sexual, isolamento e segregação de trabalhadores por parte de gerências e chefias, desvio de função, insultos e grosserias de superiores, demissões por telefone, telegrama e e-mail, perseguição através da não promoção, calúnias e inverdades dissimuladas no ambiente de trabalho por chefias, negação por parte da empresa de laudos médicos ou comunicações de acidente, estímulo por parte da empresa à competitividade e ao individualismo, omissão de informações sobre direitos do trabalhador e riscos de sua atividade, discriminação salarial segundo sexo e etnia, ameaça a sindicalizados, punição aos que recorrem à Justiça, dificultar a entrega de documentos ao trabalhador.[4]

Ainda, é importante observar duas definições clássicas de assédio moral, apresentados por Marie France Hirigoyen e Rodolfo Pamplona, respectivamente:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, por em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho[5].

O assédio moral pode ser conceituado como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, tendo por efeito a sensação de exclusão do ambiente e do convívio social.[6]

O manipulador, que consequentemente produz assédio moral e psicológico, é um ávido criador de testes. Ele vive testando as pessoas, criando situações para que a fidelidade de suas vítimas seja colocada à prova. O manipulador é também astuto em fazer com que os fatos sejam distorcidos. Ele sempre tentará conduzir a conversa de maneira que a vítima se sinta culpada, devedora e ingrata com ele. O manipulador, também, pode ser um belo ator ao criar uma falsa doença, falsa sensação de mal-estar, falsa situação em que se torna vítima para poder “virar o jogo”, e pode até manifestar a Síndrome de Munchausen[7].

Para evitar esses abusos, lembre-se dessas observações a seguir:

1. Trate e exija ser tratado com respeito (Rm 12:10);

2. Expresse seus sentimentos, opiniões e desejos, com educação e respeito, mas o faça (Zc 8:16);

3. Tenha a sua própria lista de prioridades (Pv 23:23);

4. Aprenda a dizer “não” sem se sentir culpado (Gl 5:1);

5. Receba aquilo pelo qual pagou e (ou) trabalhou (1Tm 5:18);

6. Sinta-se a vontade para ter opiniões diferentes dos outros (Pv 1:1-7);

7. Se proteja contra ameaças físicas, mentais e emocionais (Tg 4:7);

8. Desenvolva a sua própria vida, de maneira que se sinta feliz e saudável, mas que isto seja feito à luz da Bíblia Sagrada (2Tm 2:15).

Por fim, lembre-se que pessoas podem lhe dar bons conselhos e lhe ajudar com boas experiências de vida, sem que isso represente uma tentativa de manipulação. Porém, você não precisa se sentir forçado ou obrigado a fazer algo só porque alguém falou. Busque a Deus em oração e por meio da Sagrada Escritura para que o conselho seja confirmado ou não. Não permita que uma pessoa se sinta livre para invadir a sua vida, roubar a sua liberdade e lhe expor publicamente, e muito menos para lhe roubar o direito de ir e vir.

“Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão” (Gl 5:1).

“Não vos enganeis: As más companhias corrompem os bons costumes” (1Co 15:33)





[1]
Guerra Fria é um termo utilizado para se referir ao período compreendido entre o final da Segunda Guerra Mundial (1945) e a extinção da União Soviética (1991), e se refere diretamente aos conflitos de ordem política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica entre os Estados Unidos e a antiga União Soviética, mas que não envolveram a guerra devido ao temor de uma batalha nuclear.

[2]
Como identificar e parar os manipuladores: 8 dicas para mantê-los à distância ou se libertar. Disponível em: http://www.psiconlinews.com/2014/12/como-identificar-e-parar-os.html

[3]
Como Identificar Comportamentos Manipuladores. Disponível em: http://pt.wikihow.com/Identificar-Comportamentos-Manipuladores.

[5]
HIRIGOYEN, Marie France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução de Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 17.

[6]
PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Noções Conceituais sobre o Assédio Moral na Relação de Emprego. Revista LTr, São Paulo/SP, ano 70. Set-2006. p.1079/1089.

[7]
A Síndrome de Münchhausen é um transtorno falsamente produzido por pessoas que fingem situações de crise de saúde para chamar a atenção ou para atrair a simpatia de outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você é livre para expressar a sua opinião, mas ela só será publicada se for expressa com respeito e educação.