segunda-feira, 7 de novembro de 2016

OS ÚLTIMOS DIAS NUMA PERSPECTIVA BÍBLICA


Robson T. Fernandes

UMA PEQUENA INTRODUÇÃO

A Escatologia Bíblica sempre é alvo de muitos debates e controvérsias. Sempre foi assim, desde os dias da Igreja Primitiva. Naquela época, quando o apóstolo Paulo pregava sobre os últimos dias e os seus acontecimentos, já havia um grupo que afirmava que tais eventos já tinham acontecido, incluindo a própria ressurreição. Por isso o apóstolo afirma que “estes se desviaram da verdade, asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo a fé a alguns” (2 Tm 2:18). Este grupo entendia que as profecias bíblicas para o futuro já haviam se cumprido no passado.

Ao tratarmos dos tempos proféticos entramos em uma discussão chamada “O Já e o Ainda Não”. Isto é, as promessas da profecia bíblica sobre os eventos futuros já ocorreram ou não? Estamos vivendo os últimos dias ou não?

Essa tensão, “O Já e o Ainda Não”, diz respeito ao fato que a era escatológica já foi inaugurada. Isto quer dizer que a era escatológica mencionada pelos profetas do Antigo Testamento teve início com Cristo, mas ainda não chegou ao seu estado final. É exatamente por isso que presenciamos essa perturbação na interpretação bíblica quanto a estes fatos, em que muitos não sabem definir o que já ocorreu e o que ainda ocorrerá.

O quadro desse debate se agrava com a chegada do neopentecostalismo (hiperpentecostalismo), que alicerçado na Confissão Positiva, afirma que toda dor e sofrimento já foram enfrentados por Cristo e pela Igreja Primitiva, para que nós não tivéssemos que passar por isso na presente Era. Uma das afirmações feitas é que já que Cristo subiu aos céus e está sentado à destra do Pai, o Seu Reino foi implantado na Terra, onde se espalhará e inundará as nações. Por isso, a ideia bíblica de tempos difíceis nos últimos dias, profetizado por Paulo à Timóteo (2 Tm 3), não diz respeito aos nossos dias e sim aos dias de Paulo. Afinal, dizem eles, os nossos dias são de prosperidade e crescimento.

Para entendermos melhor a questão, precisamos analisar alguns textos bíblicos.

2 Timóteo 3:1-5
Sabe, porém, isto: nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis, pois os homens serão egoístas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeiçoados, implacáveis, caluniadores, sem domínio de si, cruéis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder. Foge também destes.

A expressão “nos últimos dias, sobrevirão tempos difíceis” em 2 Timóteo 3, é oti en eschatais hemerais enstesontai kairoi chalepoi (ὅτι ἐν ἐσχάταις ἡμέραις ἐνστήσονται καιροὶ χαλεποί).

É importante destacar que a expressão “sobrevirão” (enstesontai - ἐνστήσονται) é um verbo que está no futuro do indicativo médio, na 3ª pessoa do plural.

Com isso já entendemos que o que o apóstolo fala é para o futuro, com relação a época em que ele escreveu. A pergunta é: Quando seria este futuro?

Antes de responder a essa pergunta, é importante explicar o que significa o tempo verbal Aoristo, no grego. O aoristo considera a ação do verbo como um ponto e está isenta da ideia de tempo. Ou seja, Aoristo indica uma ação verbal, um acontecimento ou ocorrido, sem que seu tempo seja definido. Dito isto, devemos observar que os verbos citados em 2 Timóteo 2 estão ou no tempo Presente ou no Aoristo, e não no futuro. Vejamos: fortifica-te (endynamou – ἐνδυναμοῦ [presente]), transmite (parathou – παράθου [Aoristo]), participa dos meus sofrimentos (synkakopatheeson – συνκακοπάθησον [Aoristo]), pondera (noei – νόει [Presente]), lembra-te (Mnemoneue –Μνημόνευε [Presente]), recomenda (hypomimneske – ὑπομίμνῃσκε [Presente]), procura (spoudason – σπούδασον [Aoristo]) etc.

De repente, no capítulo 3, o apóstolo muda o tempo verbal, de presente ou aoristo para futuro. Por que isso ocorre? Porque o apóstolo deseja mostrar que aquelas turbulências já presentes em sua época continuariam presentes no futuro e seriam intensificadas. Aqui nós comelamos a ver o esboço do “Já e o Ainda Não”. Ou seja, as coisas já estão acontecendo mas ainda não se completaram.

Dessa forma, o apóstolo Paulo ensina que estes problemas não seriam restritos à sua época, mas que o quadro iria se agravar, especialmente porque também afirma que tais pessoas “serão...” (ἔσονται), em que esta expressão também é colocada no futuro do indicativo médio, concordando com “sobrevirão” (2Tm 3:1,2).

Então, o que nós veremos antes da Vinda Gloriosa de Cristo, não é uma melhora no quadro da humanidade, mas uma piora. Uma intensificação do pecado.

Isto está de acordo com o que Jesus disse em Mateus 24:

“Pois assim como foi nos dias de Noé, também será a vinda do Filho do Homem. Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem” (Mt 24:37-39).

Diante desse quadro, alguns afirmam que a Tribulação já ocorreu, assim como algumas pessoas já na época do apóstolo Paulo também afirmavam “que a ressurreição já se realizou” (2 Tm 2:18).

Para defender esse pensamento utilizam o texto de Mateus 24:34:

“Em verdade vos digo que não passará esta geração sem que tudo isto aconteça”

Utilizam este texto para afirmar que as profecias feitas por Jesus, sobre a Tribulação, se referiam àquela geração de Sua época, e por isso concluem que a Tribulação foi para aqueles dias.

O termo “geração”, ocorrido no texto de Mateus 24, é o grego genea (γενεὰ), e possui vários significados. Vejamos:

1. De acordo com Fritz Rienecker e Cleon Rogers[1]: Raça, geração.
2. De acordo com W. C. Taylor[2]: geração, prole, raça, época.
3. De acordo com F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker[3]: raça, clã, gênero, contemporâneos, era, período de tempo, família.
5. De acordo com Lothar Coehen e Colin Brown[4]: geração, família, clã, raça, era.

Genea, derivada da raiz gen-, significa “nascimento”, e também “descendência”, e, depois, “descendentes”, “família”, “raça” (isto é, aqueles que são vinculados por uma origem comum) [...] Tanto na Septuaginta e no Novo Testamento seu significado primário é “nação”, “povo” ou “tribo”[5].

Então, diante de tudo o que foi visto, só restam duas opções de interpretação para o termo “geração” em Mateus 24:34. Ou significa que aquele povo vivo na época de Cristo vivenciaria todas aquelas coisas, ou a “raça” (família, descendência) daquele povo seria preservada para ver o cumprimento de todas essas coisas.

Se lermos o texto com bastante atenção veremos que Jesus Cristo disse que: o sol escurecerá, a lua não dará seu brilho, as estrelas do céu cairão, os poderes do céu serão abalados, aparecerá no céu o sinal do Filho do Homem, todos os povos da terra se lamentarão, verão o Filho do Homem vindo nas nuvens etc.(Mt 24:29-31).

Ora, é claro que tais coisas ainda não aconteceram. Contudo, Jesus disse que esta geração não passaria até que tudo isso acontecesse, mas ninguém da época de Jesus viveu para ver tais coisas, e nem nós mesmos ainda não vimos tais eventos. Portanto, afirmar que isto se refere a eventos passados, é o mesmo que dizer que a Tribulação já passou e que a Vinda de Cristo já ocorreu. Portanto, é recair no erro reprovado pelo apóstolo Paulo: “estes se desviaram da verdade, asseverando que a ressurreição já se realizou, e estão pervertendo a fé a alguns” (2 Tm 2:18).

Só nos resta, então, a segunda alternativa de interpretação do termo “geração”: raça, família, descendência. Aqui, especificamente, Jesus fala sobre a raça judaica. Isto quer dizer que esta raça, este povo (geração), seria preservada até que tudo isso se cumprisse.

Por fim, deixo o texto de 2 Pedro 3:3, que poderá ser analisado em outra ocasião.

Deus lhes abençoe em Cristo.

2 Pe 3
Amados, esta é, agora, a segunda epístola que vos escrevo; em ambas, procuro despertar com lembranças a vossa mente esclarecida, para que vos recordeis das palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos, tendo em conta, antes de tudo, que, nos últimos dias, virão escarnecedores com os seus escárnios, andando segundo as próprias paixões e dizendo: Onde está a promessa da sua vinda? Porque, desde que os pais dormiram, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação.
Porque, deliberadamente, esquecem que, de longo tempo, houve céus bem como terra, a qual surgiu da água e através da água pela palavra de Deus, pela qual veio a perecer o mundo daquele tempo, afogado em água. Ora, os céus que agora existem e a terra, pela mesma palavra, têm sido entesourados para fogo, estando reservados para o Dia do Juízo e destruição dos homens ímpios.
Há, todavia, uma coisa, amados, que não deveis esquecer: que, para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia. Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento.
Virá, entretanto, como ladrão, o Dia do Senhor, no qual os céus passarão com estrepitoso estrondo, e os elementos se desfarão abrasados; também a terra e as obras que nela existem serão atingidas.
Visto que todas essas coisas hão de ser assim desfeitas, deveis ser tais como os que vivem em santo procedimento e piedade, esperando e apressando a vinda do Dia de Deus, por causa do qual os céus, incendiados, serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão. Nós, porém, segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça.
Por essa razão, pois, amados, esperando estas coisas, empenhai-vos por serdes achados por ele em paz, sem mácula e irrepreensíveis, e tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles.
Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que, arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza;
antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, tanto agora como no dia eterno.





[1] RIENECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento Grego. São Paulo: Vida Nova, 1995. p.53.
[2] TAYLOR, W. C. Dicionário do NT Grego. Rio de Janeiro, JUERP, 1991. p.48
[3] GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do N.T. Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 2000. p.46
[4] COEHEN, Lothar; BROWN, Colin. Dicionário Internacional de Teologia do NT. São Paulo: Vida Nova, 2000. p.895
[5] Idem.